DEUS E O DIABO NO BRASILISTÃO

quarta-feira, 12 de novembro de 2008


DE SANCTIS NÃO É CORISCO

Artigo extraído do Blog do Reinaldo Azevedo

"A Constituição não é mais importante que o povo, os sentimentos e as aspirações do Brasil. É um modelo, nada mais que isso, contém um resumo das nossas idéias. Não é possível inverter e transformar o povo em modelo e a Constituição em representado. (...) A Constituição tem o seu valor naquele documento, que não passa de um documento; nós somos os valores, e não pode ser interpretado de outra forma: nós somos a Constituição, como dizia Carl Schmitt [jurista alemão]."

A fala acima, como se noticiou ontem, é de Fausto De Sanctis. Esse homem tem a grande sorte de ser juiz do caso Daniel Dantas. Isso lhe confere uma espécie de imunidade para dizer as maiores barbaridades. Com medo de contestá-lo e serem acusados de partidários do banqueiro, jornalistas, juristas e representantes de classe se calam. E muitos ainda lhe fazem festa. Segundo noticiou a Folha ontem, ele “foi recebido como estrela em lançamento de livro do promotor e ex-secretário de Administração Penitenciária Astério Pereira dos Santos.” Escreve ainda o repórter: “O evento se tornou quase um desagravo ao juiz, que foi aplaudido por cerca de 300 pessoas”.
Procurei, ao longo de terça-feira, alguma declaração do presidente da OAB, Cézar Britto, contestando o juiz. Nada!!! Imaginem o dia em que um advogado, titular de uma causa, estiver diante de um juiz, e o meritíssimo lascar na sua cara: “A Constituição não é mais importante que o povo, os sentimentos e as aspirações do Brasil. (...) A Constituição tem o seu valor naquele documento, que não passa de um documento”. Ora, se Fausto De Sanctis diz isso sobre a Carta, por que não poderia dizer o mesmo sobre o Código Penal ou qualquer outro? Mas Britto está muito ocupado tentando fazer a história brasileira retroceder uns 40 anos...

Reitero: De Sanctis dá uma sorte danada. Tornado um bandido de manual, Daniel Dantas parece ter o poder de santificar, sem trocadilho, todos os que se apresentam como seus inimigos ou adversários. Ora, é evidente que a consideração do juiz é absurda. Não, senhor! Uma Constituição democrática, como é a nossa, tem de ser respeitada inclusive contra a vontade momentânea do povo, meritíssimo. O direito se acha na lei, não na rua.
Estudantes de direito e advogados, aliás, me mandam e-mails e comentários e me contam que, com efeito, o filonazista Carl Schimitt está sendo recuperado nos cursos de Direito, mas agora por professores de esquerda, que pretendem adaptar as suas teses da prevalência do legítimo sobre o legal — tão úteis ao nacional-socialismo — à metafísica influente do militantismo.
Atenção: foi justamente considerando que as leis não passam de meros documentos, que a Satiagraha se transformou numa pantomima. E é a pantomima policialesca que corre o risco de inocentar Daniel Dantas. Se isso acontecer, os únicos responsáveis serão aqueles que consideram que a Constituição “não passa de um documento”.
De Sanctis deve explicações à sociedade, a seus pares, ao mundo jurídico. Ele é juiz. A sua fala ficaria bem na boca de cangaceiro Corisco, personagem de Glauber Rocha em Deus e O Diabo na Terra do Sol: “Mais fortes são os poderes do povo”.
Juiz que considera a Constituição só “um documento” está com problema de juízo. Para ele, ou a Constituição é “O” documento, ou que mude de profissão e vá ser político, por exemplo. Aí poderá ouvir com legitimidade "a votade do povo". Se não for assim, o estado de direito vai para o brejo. E não custa lembrar, sr. De Sanctis: a fábula glauberiana não acaba bem. E não acabam bem todas as outras fábulas que preferem ignorar a lei para ouvir a voz rouca das ruas.
Os advogados de Dantas devem estar em êxtase.
O lema de Gabeira para “pegar” Renan Calheiros, lembrou bem a jornalista Lúcia Boldrini, é o mote da música “Perseguição”, de Sérgio Ricardo e Glauber Rocha, trilha do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber, feito em 1963 e exibido em 1964. É assim:

Se entrega Corisco!
Eu não me entrego não
Eu não sou passarinho Pra viver lá na prisão

Se entrega Corisco eu não me entrego não
Não me entrego ao tenente
Não me entrego ao capitão

Eu me entrego só na morte de parabelo na mão
Se entrega Corisco
Eu não me entrego não! Eu não me entrego não
Eu não me entrego não.

A brincadeira é boa, mas pode ser um pouco condescendente com o jagunço de terno. Por que digo isso? Segue a síntese do filme, para quem não viu, que está no site Tempo Glauber:

O argumento de Deus e o Diabo na Terra do Sol é uma síntese de fatos e personagens históricos concretos (o cangaço e o mandonismo local dos coronéis no Nordeste, o beatismo ou misticismo de base milenarista, a literatura de Cordel, Lampião e Corisco, Euclides da Cunha e Guimarães Rosa, Antônio Conselheiro e Antônio Pernambucano (jagunço ou assassino de encomenda de Vitória da Conquista). O vaqueiro Manuel se revolta contra a exploração de que é vítima por parte do coronel Morais e mata-o durante uma briga. Foge com a esposa Rosa da perseguição dos jagunços e acaba se integrando aos seguidores do beato Sebastião, no lugar sagrado de Monte Santo, que promete a prosperidade e o fim dos sofrimentos através do retorno a um catolicismo místico e ritual. Ao presenciar o sacrifício de uma criança, Rosa mata o beato. Ao mesmo tempo, o matador de aluguel Antônio das Mortes, a serviço dos coronéis latifundiários e da Igreja Católica, extermina os seguidores do beato. Em nova fuga, Manoel e Rosa se juntam a Corisco, o diabo loiro, companheiro de Lampião que sobreviveu ao massacre do bando. Antônio das Mortes persegue de forma implacável e termina por matar e degolar Corisco, seguindo-se nova fuga de Manoel e Rosa, desta vez em direção ao mar.

Num artigo de16 de agosto de 1964 no semanário L’Expresso, o escritor italiano Alberto Moravia (1907-1990) escreveu o seguinte a respeito do filme:

“Assim, o Santo Sebastião e Corisco representam Deus e o diabo, ambos deformados e transtornados pela solidão do sertão. De maneira característica, a solução do problema social representado por figuras como o Santo Sebastião e Corisco é confiada à carabina infalível de Antônio das Mortes, matador profissional, figura sinistra, melancólica e lógica de assassino visionário, o qual imagina que, uma vez eliminados o diabo (Corisco) e Deus (o Santo Sebastião), haverá então a guerra de libertação, ou melhor, a revolução, que redimirá o sertão. É assim que Antônio das Mortes fulmina o profeta e o bandido. Manuel, símbolo do povo brasileiro, escapa, testemunha viva da verdade das teses do filme."

O Corisco de Glauber não deixava de ser produto de um conjunto de circunstâncias que não dependiam de sua escolha, como um mandacaru. O Corisco do Senado já é o resultado de uma visão bem mais cínica, planejada. E não será eliminado por Antônio das Mortes. Tem de ser banido pela lei.

Se entrega, Corisco!


Por Reinaldo Azevedo



Comentário meu: É nesse pé (o esquerdo pra variar) que as coisas estão no Brasil hoje. Há uns meses atrás, no Grupo Guararapes, debati virtualmente no Livro de Visitas desta entidade, com uma pessoa que defendia o Dr. Juiz De Sanctis e os seu métodos da aplicação e interpretação da Lei por ocasião da prisão do Sr. Daniel Dantas. Eu argumentei que da forma como foi realizada a Operação Satiagraha, recheada de erros e inconstitucionalidades eram um prato cheio para os advogados de defesa do banqueiro. E não deu outra: soltaram o dito cujo, até porque a Lei que rege a prisão cautelar já previa em seu último parágrafo que o réu pode requerer a impetração do Hábeas Corpus. E foi o que aconteceu e todo mundo caiu de pau no Ministro do STF, Dr. Gilmar Mendes que apenas cumpriu o que determina a Lei.
Muito já se discutiu sobre esse assunto. As negociatas, a corrupção solta, feliz e alegre, as práticas de sonegação fiscal, a prevaricação e mau uso do dinheiro público, mensalão, enfim, o sinal está verde para quem quer chutar o balde, e, claro, tem dinheiro para comprar a liberdade e consciências. O Sr. Daniel Dantas pode ser considerado vítima ou inocente? É claro que não! A nossa Constituição Federal, a chamada “Constituição Cidadã” inspira e de certa forma estimula alguém a deslizar do caminho reto e honesto? Eu creio que sim! Mas, jamais poderemos deixar de seguir o livrinho sem antes de mudá-lo legalmente e pela forma de nossas instituições, ou seja, pelo Congresso Nacional. Os políticos não inspiram confiança para fazer o que tem que ser feito e da forma correta? Ora, que o brasileiro, eleitor, e, além de responsável, é parte (ou deveria ser) interessado no assunto, que escolha melhor seus candidatos. Que não venda seu voto em troca do vil metal. Que se interesse mais por política, não por politicagem.
O certo é que em qualquer país civilizado do mundo, manda o império das Leis, a sua justa e correta aplicação, pois somente assim, não estaremos abdicando do respeito a propriedade e de nossas liberdades individuais. O legítimo nunca em tempo algum, pode sobrepor-se ao legal. As Leis estão erradas? Pois que se mude as Leis! Mas sempre dentro da legalidade!

0 Comments:

 
Wordpress Themes is powered by WordPress. Theme designed by Web Hosting Geeks and Top WordPress Themes.
por Templates Novo Blogger