segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
PAULO FREIRE, AYRES BRITTO E O CONSTRUTIVISMO DA IGNORÂNCIA
por Percival Puggina
Em 1996, já com quase 30 anos de formado em arquitetura e sem nunca mais haver retornado a uma sala de aula, decidi fazer vestibular para Jornalismo, só para ver o que aconteceria. O único livro didático que abri foi um que estava sendo consultado por minha filha, então se preparando para o ingresso no curso de Psicologia. Era, na verdade um livrinho, pouco mais que um caderno, sobre Literatura Brasileira. Fiquei curioso por saber como se podia enfrentar uma prova sobre o tema a partir de um folheto de tão poucas páginas. Seu conteúdo consistia num sumário de livros que mais nenhum estudante brasileiro lê, diga-se de passagem, e respostas a questões que poderiam ser formuladas a respeito. É admissível uma coisa dessas? Sim. Em qualquer outro lugar do mundo, não. Mas no Brasil é perfeitamente possível obter nota de aprovação num exame sobre literatura nacional sem precisar ler coisa alguma do que escreveram nossos grandes. Joguei fora o tal livro, entre escandalizado e repugnado, e levei meus já escassos cabelos, então grisalhos, para enfrentar o vestibular na Famecos da PUC. Tirei o primeiro lugar.
Essa curiosa experiência, se não me valeu para prosseguir no curso, que abandonei logo na primeira semana de aula por absoluta falta de tempo, serviu-me para identificar a perda de qualidade sofrida pela educação brasileira no espaço entre duas gerações consecutivas. Saltou-me aos olhos que a minha geração, a minha, politizada e ideologizada até a raiz dos pelos pubianos (em que pese tudo que se diga sobre a alienação introduzida pelos governos autoritários), quando chegou às cátedras, fritou o cérebro dos seus alunos em banha marxista. Multidões de professores abandonaram os conteúdos e partiram para a militância. Construíram a ignorância dos alunos, mas conseguiram seus objetivos doutrinários. Mentiram sobre história, optaram pelas piores vertentes do pensamento, abandonaram os clássicos e produziram uma geração onde só evoluíram aqueles que, voluntariamente, chutaram o balde e trataram de avançar por conta própria. Eles e seus pupilos alcançaram os postos de mando do país e continuam ideologizando tudo por onde passam: a universidade e o material didático nacional; o direito positivo em todos os seus níveis; as denúncias, as investigações e as sentenças; as notícias e as manchetes; o cinema, o teatro, as artes, a música popular e o escambau. Lembram-se do que escrevi, há poucos meses, sobre aquele professor de matemática que, defendendo tese de mestrado, discorreu sobre o papel da sua disciplina na formação dos intelectuais orgânicos? Pois é.
Foi assim que, assistindo a leitura dos votos no julgamento do caso Raposa Serra do Sol pelo STF, pude me deparar com as delirantes abstrações da realidade com que nossos ministros se puseram a decidir. Para transformarem a reserva indígena num paraíso às vésperas da perdição faltou nada. O momento culminante do julgamento ocorreu quando o versejador sergipano Ayres Britto, em apoio a Eros Grau que falava sobre a sabedoria dos indígenas, lascou, citando Paulo Freire: “Não existe saber maior ou menor; existem apenas saberes diferentes”. De fato, aquelas tribos praticam o infanticídio, o ministro defende o aborto, e viva Paulo Freire.
Eis aí, tout court, num verdadeiro safanão à inteligência, o resumo da causa e a alma da decisão já bem engatilhada contra a soberania brasileira na Amazônia. A culminância do relativismo. Não é que já não mais existam verdade e mentira, nem certo e errado, fora da conveniência ideológica. É negada existência à própria ignorância, transformada em cada vez mais comum forma de saber. Tomas de Aquino e Frei Betto, Beethoven e Mano Brown, Aristóteles e Marilena Chauí. É tudo a mesma coisa, ta entendendo mano?
Fonte do artigo: http://www.diegocasagrande.com.br
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